A COISA CRÓNICA (eu lixo, tu lixas, ela lixou-nos)

principalmente este ano convencionou-se um dito irritante na boca da gente. Como professor, a qualquer sítio que vá, embirro sempre na mesma frase... vou abastecer gasolina e o senhor, que me conhece há anos, diz com um sorriso bem cínico, misturado com uma ou outra pitada de ódio: "esta ministra é que vos deu cabo da vida". Ora aí está, o prazer dos prazeres entre as pessoas: ”dar cabo da vida”. Vou ao supermercado e o senhor que está por trás da caixa, e que ainda me trata por menino, repete com o mesmo cinismo: "a ministra lixou-vos bem". Agora imaginem isto a repetir-se constantemente, vá para onde for.

Como sabem os provérbios e dizeres espalham-se oralmente de geração em geração. A manter-se a frase, por mais algum tempo, na boca do povo, talvez daqui a alguns anos possa existir um provérbio que diga: "esta ministra deu cabo da vida" e que seja, nem mais nem menos, entre as pessoas, um pretexto para início de conversa como "parece que hoje vai chover...".

Há já algum tempo li um livro, com um nome parecido a isto: “como dar a sensação de que se está a trabalhar muito”. Havia lá uma pequena história sobre os supostos trabalhadores de uma empresa que, por não terem clientes, sempre que entrasse um potencial comprador, faziam de conta que estavam carregados de trabalho, corriam para os telefones, telefonavam uns aos outros, carregavam papeis de um lado para o outro, preenchiam papeladas e papeladas que não passava de rascunho para deitar fora. E assim transpareciam trabalho e faziam de conta que se ocupavam com alguma coisa.
O que a ministra (entenda-se todo o ministério) no fundo criou foi algo parecido a isto. Não, não se trabalha mais, ocupa-se é o tempo precioso para a acção de educar com toda esta balbúrdia. Andamos de um lado para outro com muita papelada para arquivo, para fazer parte da alegre e esplendorosa burocracia.

Na educação como tudo, devemos distinguir duas coisas essenciais, o “objecto” e o “conteúdo”. Apesar de o não parecer, ambas as coisas terão sempre formas distintas. No copo, a água não tem a forma do copo, mas sim a sua liquida forma moldada a este. Deste modo, também na educação o professor é um “objecto” que serve, essencialmente, de meio entre a água e o beber. E o que a Ministra verdadeiramente “lixou” foi que em vez de água meteu lá para dentro sumo de laranja (daqueles que tem tudo menos laranja).

O que estou para aqui a tentar dizer, com rodeios, é que não tardará muito para o gás do sumo começar a fazer o seu efeito. Daqui a algum tempo, as televisões andarão entretidas a interrogar pessoas nas ruas que, apesar de terem o 12º ano, digam coisas descabidas (como por exemplo, que o Presidente da República Portuguesa é o Cristiano Ronaldo), só então dar-nos-emos conta que afinal a ministra da educação lixou-nos foi a todos

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