A COISA CRÓNICA (ao falso dia da Erradicação da Pobreza)

«(...) é no consumo do excedente e do supérfluo que, tanto o indivíduo como a sociedade, se sentem não só a existir, mas a viver.»
neste dia Internacional de erradicação da pobreza convém trazer à baila o sociólogo e filosofo francês - falecido no ano passado - Jean Baudrillard. Este grande pensador, cujos livros devorei com bastante avidez de conhecimento, deixou-nos uma fabulosa obra que habitualmente recomendo, como instrumento de acuidade para uma melhor observação do quotidiano, seu nome: A Sociedade de Consumo. Nesta obra, a páginas tantas, Baudrillard começa-nos a demonstrar como o discurso sobre as necessidades - das sociedades modernas, claro - assenta numa antropologia ingénua a da propensão natural para a felicidade. De facto, o autor demonstra que a felicidade é o único e verdadeiro leitmotiv da sociedade moderna. Esta falsa sensação de felicidade é encarada pelo próprio como o Mito da Igualdade, onde o corolário principal tem como suporte a teoria de que o crescimento é a abundância e a abundância é a democracia. Segundo o mesmo, o economista norte-americano Galbraith tem toda a razão ao evidenciar que o problema da igualdade e o da desigualdade perderam a força devida, para se encontrarem antes intimamente ligadas com a ideia de riqueza e o da pobreza. Galbraith veio, neste seguimento, demonstrar que, para as sociedades que agem tendo em conta o Mito da Igualdade: os «Pobres» são os que, por qualquer razão, permanecem no exterior do sistema industrial, fora do crescimento (…) Para os idealistas da abundância, ela é «residual» e acabará por ser varrida pelo aumento do crescimento (p.50). Contudo, isso não corresponde inteiramente à verdade, pois: o crescimento produz reproduz e restitui a desigualdade social. São vários, e todos eles plausíveis, os exemplos que o autor J.B. nos dá, no entanto o que nos fica desses capítulos é percebermos, sobretudo, que na esquizofrenia globalizadora, que se move inteiramente pelo princípio da aquisição de objectos como a única origem da felicidade, (…) não existe, nem nunca existiu «sociedade de abundância» ou sociedade de penúria», já que toda a sociedade, seja ela qual for e seja qual for o volume dos bens produzidos ou da riqueza disponível, se articula ao mesmo tempo sobre um excedente estrutural e sobre uma penúria estrutural (p.51s). E para concluir, fica apenas a ideia desta Coisa Crónica: numa sociedade de abundância como a nossa a pobreza é impossível de ser erradicada, por isso estes dias internacionais infindáveis apenas têm como propósito o exorcismo social dos fantasmas que perturbam essa mesma felicidade

(excertos retirados de: BAUDRILLARD, Jean - A Sociedade de Consumo. Edições 70, Lisboa: 2007. 1ªed.)

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