OS CANTORES DE LEITURA (experiências de leitura i)

"Quem escreve muito bem à mão, conhece a electricidade das palavras (…)"
In Lansol, Maria Gabriela – Os Cantores da Leitura.Lisboa: Assírio&Alvim, 2007, p 82.

por altura da conclusão do ensaio, Diários de um Real-Não-Existente, dei-o a ler a um amigo, também ele apreciador da obra de Maria Gabriela Llansol. Depois de um mês de leitura, o mesmo entregou-mo com uma frase escrita por baixo do título: “Llansol é isto.”. O “é isto”, sem exclamação propositada, mas com uma inflexão vaga e implícita, teve logo a devida interpretação que o meu interlocutor quis-me dar através desta expressão. Com este “isto”, o meu amigo referia-se, essencialmente, à dificuldade da interpretação do texto de M.G.L. De facto, vários foram, e são, os ensaios literários que actualmente abordam a obra da autora, e em todos, por mais conceitos teórico-práticos e literários que tenhamos, fica sempre uma sensação de vazio, de que algo essencial escapou e que afinal continuamos sem entender a essência do estado “legente” que a autora pretende causar. Este efeito deve-se, a meu ver, porque os textos llansolianos não são peremptoriamente um objecto de estudo, mas uma experiência, uma experiência de vida (real ou não) e de afecto. Por isso, por muitos estudos que façamos nunca estaremos verdadeiramente preparados nem capazes de descrever a partilha de encontro sem primeiro experimentarmos, não uma, mas toda a obra de M.G.L. A escrita de Llansol não se pode nem se deve teorizar, sem primeiro aceitarmos escutar a voz que nos canta o melódico encontro com a electricidade das palavras, naquilo que a autora denominou de "metanoite".

Nos seus textos não se pretende conhecimentos literários, mas antes causar a vibração de cada corpo com a energia correcta da palavra. Por isso, neste espaço, as palavras têm o peso do mundo, daí Eduardo Prado Coelho - a quem a autora dedica a sua mais recente obra - nos ter indicado a melhor forma de se teorizar ou ensaiar a obra de Maria Gabriela Llansol, com um lápis na mão para sublinhar, e eu acrescentaria, até a linha ser também ela textualina. Por isso, para entrar na experiência vibrátil, mais do que um ensaio aconselho, sobretudo, a linha carbónica do lápis e, em cada frase, sentir a electricidade da palavra llansoliana.

Perguntaram-me recentemente, o que me aconselha para ler Llansol, ao que respondi, pode sempre começar a ler pela linha do tempo, pelo primeiro e acabar no último e sentir aos poucos um corpo a crescer. Se se perder, temer a noite da entrada ou perdurar em cada encontro com as figuras, bem vindo ao clube daqueles que, sem teoria alguma, já não conseguem mais parar de a ler

Comentários

hfm disse…
Bem vindos...
Unknown disse…
Não sei, o livro «Os Pregos na Erva», que ela escreveu em nova antes de ir para a Bélgica é demasiado diferente dos restantes livros, excessivamente narrativo para alguém que posteriormente conseguiu introduzir alma nos objectos.
Aconselho mais a ler a partir do 2.º, o «Depois de os Pregos na Erva».
Prof. Carlos Vaz disse…
com certeza, também concordo. De facto, a obra "Os Pregos na Erva" marca pela diferença, mas como todas as primeiras obras de um autor, dá prazer observar a evolução, daí aconselhar entrar desde o início. Pois, há quem nunca evolua e fique sempre a ler e a escrever o "primeiro livro". Claro que o segundo é de facto mais "Llansol"...

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