A COISA CRÓNICA
vou parecer-vos extremamente insensível, eu sei, ao afirmar que há crianças que não suporto e pelas quais não sinto qualquer tipo de comoção, principalmente das crianças cujo episódio de vida já tem estreia marcada, falo-vos da inglesinha "desaparecida" e o da portuguesinha com dois "pais". De facto tornei-me insensível a este tipo de "crianças novela". Ora, apesar de serem ainda crianças e a vida delas estar completamente sem rumo, a verdade é que já me estou a borrifar para o caso novelesco e, a meu ver, sem qualquer interesse que não seja apenas o do "voyeurismo" e o da coscuvilhice com que os incansável "media" estão todos os dias a educar o mau gosto social.
Se repararem, as imagens das crianças subnutridas e a morrer à fome, que nos alertavam para o verdadeiro horror humano, foram já substituídas por estas crianças ocidentais com já anos de tempo de antena. Os corpos esqueléticos algo esquecidos, foram agora substituídas pelos grandes olhos que parecem temer o lobo mau que perturba o bem-estar do quotidiano ocidental. São rostos de horror ocidental, da cultura do medo, dos três porquinhos que se fecham em casa. Uma coisa vos digo, o sofrimento será o da criança, dos pais, mas não o da humanidade. Ao contrário do que nos possam fazer crer. Mas o leitor com certeza se perguntará "entre a criança anónima e a novelesca... o horror não será o mesmo?" Não, meus senhores, infelizmente não é, pois morrem, todas as semanas, repito... todas as semanas, cerca de 250,000 crianças à fome em todo mundo. e isso sim é uma dor da humanidade, passa para além da família, é um verdadeiro problema de todos nós, ou pelo menos assim deveria o ser... Mas então qual é o interesse dos media numas e não noutras? O interesse é que infelizmente de umas se pode fazer uma rica novela, das outras não, pois quanto a fome se enterra nos ossos, a morte é certa e sempre igual. Para além disso, a fome é monótona e longínqua para quem precisa sempre de um novo episódio.
Para que entendam, eu gosto de crianças, basta lerem os meus livros e entenderão logo esta paixão, mas nunca gostei de novelas e as duas coisas juntas originam uma não-criança, uma coisa de novela com que mastigamos os dias