A voz catártica de Marlow e a hipnótica de Kurtz

por vezes ficam-nos escritores para trás que só descobrimos mais tarde, por um acidente, sugestão ou simples sorte. Joseph Conrad foi um desses escritores cujos livros se me escapavam, serpenteando por entre outros, ainda por descobrir.
Conrad apareceu-me, então, por sorte, através de um livro usado e comprado por 2 euros (Colecção Gato Maltês da Assírio&Alvim), com o nome apelativo de "Mocidade". Nesta obra, ou neste conto, iniciei a primeira viagem com a voz narrativa de Marlow, a bordo de um cargueiro que se desfez pela idade física descrita, numa viagem bastante atribulada. Neste livro fascinou-me a cadência da narrativa que nos gruda na escrita de forma a tornar impossível dela sair. Por isso passado duas semanas, ainda com a voz de Marlow no ouvido interno, adquiri o livro "Coração das Trevas" na boa edição das propostas de leitura da Biblioteca de António Lobo Antunes. Aí encontrei o mesmo Marlow que já não nos confidenciava as aventuras da tão inconsequente mocidade, cheia de confiança e sensação de imortalidade, mas sim uma outra viagem, apesar de também ser feita de barco, ainda mais "cunícula", ao coração (o interior) de uma selva inóspita, cheia de horrores criados pelo próprio homem. A selva é, na minha leitura, a zoologia das acções humanas, o lado animal e primitivo a contracenar com as hipnóticas palavras, que ninguém percebe, ou algum dia irá descobrir, do misterioso Kurtz ("o horror, o horror").
Joseph Conrad faz parte de uma lista de autores que tinha por descobrir, mas ao mesmo tempo, ainda bem que só agora apareceu, pois - como todo o bom vinho - há que esperar pelo seu tempo para poder finalmente ser bebido

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