Uma janela em vez de uma palavra

"A Casa Descrita" de Daniel Gonçalves

“com todos os livros do mundo podias erguer do nada uma cidade perfeita” diz o poeta Daniel Gonçalves (in A Casa Descrita), e acrescenta “os livros não cabem em nenhuma casa”. Tinha-vos prometido falar mais um pouco sobre o livro, e aqui vai… de facto o jogo que encontramos no título sugere duas possíveis leituras desta casa: a "Descrita", correcta pelo seu uso e arquitectura, como por exemplo a Casa da Música, Musée d’Orsay, Siza Vieira, Conímbriga, etc., onde a memória arquitectónica nos é devidamente "descrita" com todo o peso e funcionalidade das suas paredes físicas; e o outro lado da «moeda interpretativa», a tal Casa de Escrita, a casa dos sentidos, das memórias e histórias contadas. Nesta última o tempo e a espaço da casa passam a ter a mesma medida da construção da palavra. A argamassa da palavra transfigura-se, assim, em poesia, agora também ela erguida em quatro paredes versificadas e carregadas de coisas simples que são para ler (a tal transfiguração dos sentidos), e é precisamente nesta argamassa de memórias que se atribuem sentidos às palavras, erguidas uma após outra até à estranha dimensão de cidades, com ruas e travessas de leitura. Nestas ruas poéticas, as casas têm "uma janela em vez de palavras", onde o leitor se poderá assomar e espreitar o restante mundo

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